Ter uma startup não é a única forma de fazer dinheiro com software

Durante muitos anos, se popularizou a jornada do herói da construção de startups. O sonho de muita gente era (e ainda é) construir um produto incrível, levantar capital, crescer de forma acelerada, construir uma empresa girante e um dia ganhar uma bolada com um exit (venda, fusão ou algum outro tipo de evento de liquidez assim) ou um IPO.

Era um sonho de sucesso do dia para a noite vendido até mesmo pelo cinema, com filmes como A Rede Social. A popularização da tecnologia e a baixa barreira de entrada criavam a promessa perfeita: você e seus amigos, com pouco ou nenhum dinheiro, dentro da casa de vocês ou em uma garagem, poderiam construir um negócio e ficar bilionários do dia para a noite.

Mas, nos últimos anos, algumas pessoas que acreditaram nesse sonho começaram a se desiludir e procurar caminhos alternativos. Viram que o sucesso do dia para a noite levava vários anos - senão décadas - para acontecer e que o preço pago pela velocidade muitas vezes era a saúde física ou mental - talvez ambas.

Os caminhos diferentes não só apareceram, como eles sempre existiram, só não eram tão sedutores.

A imensa maioria das empresas no Brasil - inclusive as de software - não recebem investimento externo. Elas são bootstrapped (ou seja, levantadas com as próprias pernas). Crescem de forma consciente, gradativa e sustentável. No longo prazo.

Inclusive, quem acha que crescem devagar, pode estar enganado. Uma pesquisa recente mostra que hoje, até US$ 500 mil ARR (Receita recorrente anualizada), negócios de capital próprio crescem em velocidade muito similar a negócios com investidores profissionais.

A principal diferença é que negócios que são bootstrapped precisam pensar em lucro no curto (no máximo médio prazo). Às vezes, até mesmo no dia 0 do negócio.

Isso gera uma diferença muito importante: atenção aos custos. Essa atenção faz com que negócios bootstrapped se adaptem mais rápido, sejam - de forma geral - mais eficientes e resilientes a mudanças repentinas de mercado (como tivemos nos últimos anos, nos mercados de tecnologia).

A intenção do artigo não é desestimular ninguém a ter uma startup. Eu mesmo trabalho em startups há anos e me acostumei com o ritmo. Mas não é um tipo de vida e trabalho que funciona para todo mundo.

Aspirantes a empreendedores às vezes acham que uma vez que captam dinheiro, atingiram o sucesso. Quando na realidade, o desafio de empreender apenas começou.

Quando uma startup recebe um aporte de capital, ela está se comprometendo com um investidor terceiro a corresponder às expectativas daquele investimento. Ou seja, ela precisa retornar financeiramente aquele investimento na forma de valorização.

É uma relação extremamente profissional, e precisa ser. Então, a startup precisa crescer rapidamente para devolver esse investimento dentro do prazo ou até mesmo receber outros investimentos para continuar crescendo. Geralmente, ela faz isso usando grande parte do dinheiro recebido para acelerar o crescimento com prejuízo a fim de ganhar mercado e virar a chave da rentabilidade no futuro.

É muita pressão, muita velocidade e instabilidade - mudanças constantes - e decisões tomadas considerando muito mais o crescimento exponencial do que a sustentabilidade operacional. Não é melhor nem pior, é diferente. Startups precisam ser assim.

Alternativas

Mas, se você quer caminhos diferentes, vou apresentar ideias e formas alternativas de desenvolver um negócio de SaaS sem necessariamente passar pelo caminho de receber aportes de capital mas ainda podendo fazer um excelente volume de dinheiro.

Alternativa 1: Construir um negócio de SaaS Bootstrapped

A primeira alternativa, é construir um negócio de SaaS tradicional, mas usando seus próprios recursos (sejam financeiros ou de tempo). Hoje é perfeitamente possível construir um negócio de software com pouco - ou nenhum - dinheiro e crescê-lo muito.

Criar um SaaS sem dinheiro nenhum vai exigir mais tempo, bastante capacidade técnica e compreensão de negócios, mas é sim possível. Tempo e capacidade técnica porque você precisará criar várias ferramentas que você poderia comprar ou pagar para utilizar, compreensão de negócio para conseguir encontrar uma dor com um bom mercado e formular um modelo de negócio que consiga garantir um fluxo de caixa positivo desde o início (é nisso que essa Newsletter pretende te ajudar).

Mas, caso você tenha um pouco de dinheiro para investir, a coisa se torna muito mais fácil e rápida. Um case que gosto muito é do Guillaume Moubeche, um empreendedor francês que cresceu um negócio para 10M de ARR em 3 anos com um investimento inicial de 1000,00.

Estamos falando aqui de crescimento acelerado, mas você não precisa crescer loucamente para ter um bom negócio Bootstrapped. Como esses negócios são lucrativos desde muito cedo e suas margens costumam ser bastante altas (acima de 50%), você pode construir um lifestyle business.

O que é um lifestyle business:

É um negócio lucrativo, com uma rentabilidade boa o suficiente para remunerar bem o(s) fundador(es), a equipe e manter o negócio saudável e crescendo ao longo dos anos.

Você não precisa crescer loucamente para ter uma vida bastante boa com SaaS. Um negócio de R$ 100k MRR e 50% de margem já gera um excelente dinheiro no final do mês. Suficiente para uma vida bastante confortável.

Alternativa 2: Criar um - ou mais - MicroSaaS

MicroSaaS são negócios de SaaS que resolvem uma ou poucas dores apenas, de um nicho muito específico e que podem ser construídos por um empreendedor solo ou uma pequena equipe. É uma tendência que vem crescendo muito nos Estados Unidos e recentemente chegou ao Brasil.

A comunidade em torno deste tema vem crescendo bastante e vários cases interessantes estão surgindo aqui no país.

Caso esse tema te interesse, o pioneiro nesse assunto e verdadeiro especialista é o Bruno Okamoto - você encontrará muita coisa dele pesquisando. O próprio Bruno é um case de sucesso. Ele é um empreendedor de MicroSaaS com produtos extremamente interessantes como o MyGroupMetrics, que geram uma receita considerável e crescem com consistência.

Alternativa 3: Vender licença de software - fora da nuvem

Agora você deve estar pensando: pô, em 2024 você está me falando para vender software como faziam os Maias e Astecas? Sim, eu estou.

Uma das empresas Bootstrap que eu mais admiro, a Basecamp está trabalhando nisso, segundo seu CEO Jason Fried. Ele acredita muito nessa tendência, e eu particularmente também. Sabe porque? Veja só:

Quando você vende um SaaS, você se responsabiliza pela estabilidade do sistema. Se seu sistema é muito importante para um negócio e houverem questões na cloud em que você o hospeda ou você não tiver otimizado ele de forma correta, isso pode ser um grande problema. Esse problema não existe - ou pelo menos é muito menor - em um software local, baixado e instalado na infraestrutura do usuário ou da empresa.

A segurança tem se tornado um tema extremamente relevante para as empresas e cada vez mais temos assistido invasões e vazamentos de dados em empresas de SaaS. Mas, se os dados não estiverem com a sua empresa e sim com o próprio dono, o risco para você - e muitas vezes para o próprio cliente - se torna muito menor.

Fora isso, existem vários nichos e casos onde poder usar um software hospedado em nuvem e que precisa de acesso constante à internet é um luxo. Pense nisso. O próprio Jason Fried disse em uma entrevista, falando sobre esse assunto:

Quando todo mundo está indo em uma direção, eu gosto de ir na oposta.

Alternativa 4: Ganhar dinheiro com ferramentas Open Source

Se você ainda não conhece cases disso, talvez agora sua cabeça esteja dando um nó. Deve estar pensando: “Open Source? Dinheiro? Como assim?”. Mas, existem vários negócios fazendo muito dinheiro com soluções Open Source. E é basicamente de 3 formas:

Cobrando por licenciamento comercial: você permite o uso da ferramenta de forma totalmente aberta para usuários individuais e que não pretendem usar para fins comerciais, mas, se quiser usar em fins comerciais, você cobra por isso. Um exemplo dessa estratégia é o IntroJS.

O IntroJS é uma ferramenta Open Source para desenhos de tours de onboarding dentro de SaaS. A ferramenta é gratuita para uso não comercial e cobra 10 dólares pela licença vitalícia em um projeto.

Cobrando pela hospedagem: você pode disponibilizar sua ferramenta de forma gratuita caso o cliente queira usar localmente ou hospedada em uma estrutura própria e cobrar uma mensalidade caso ele queira deixar hospedado por você. Essa é a estratégia usada, por exemplo, pela AnythingLLM, uma ferramenta que permite o treinamento de LLMs com documentos.

Cobrando pelo suporte: você pode cobrar pelo suporte à sua ferramenta. Meu case favorito vem desse modelo de cobrança. A Sidekiq é uma ferramenta de fila de tarefas para Ruby on Rails. O criador, Mike Perham, começou a monetizar a ferramenta cobrando pelo suporte e hoje tem um negócio de milhões de dólares recorrentes anuais como empreendedor SOLO. Exatamente, é só ele. Há diversos podcasts onde ele conta a história e eu recomendo muito.

Uma vantagem forte de desenvolver ferramentas Open Source é o fator de comunidade que ajuda muito na popularização e na viralização do produto. Principalmente se você estiver desenvolvendo ferramentas para o público de tecnologia. Se você construir algo realmente bom, e conseguir divulgar isso nos lugares certos, sua ideia pode ganhar tração rapidamente.

Alternativa 5: Desenvolver plugins, extensões ou temas

Há vários ecossistemas e plataformas que permitem que você desenvolva ferramentas para eles, como por exemplo:

  • Google Chrome
  • Google Suite (Docs, Sheets, etc)
  • Salesforce
  • RD Station
  • Hubspot
  • Notion
  • Bubble
  • Visual Studio Code
  • Wordpress
  • Shopify e muitos outros.

Algumas delas ajudam até na parte da hospedagem, visto que dão opções para sua ferramenta estar hospedada na estrutura da própria plataforma, como são os casos de extensões do Google Suite, por exemplo.

Além disso, criar extensões pode acelerar o seu início substancialmente. Afinal, essas plataformas inclusive têm marketplaces onde você pode disponibilizar a ferramenta que você criou e acaba ganhando o poder do tráfego do próprio marketplace para manter uma base de vendas periódica. Isso pode ser extremamente benéfico para o seu negócio.

Outro caso é a construção de templates ou temas. Um caso famoso disso é o brasileiro Zeno Rocha, que criou o tema Dracula para o VSCode e faturou mais de USD 100k logo de cara em um ano.

Alternativa 6: Venda “boilerplates”

Se você for um excelente programador, mas não tiver muitas ideias de SaaS, você pode criar um “template” de criação de SaaS, com a stack básica para que outras pessoas lancem seus SaaS de forma acelerada. Alguns exemplos são:

  • ShipFa.st, do Marc Lou, que documenta tudo no Youtube
  • JustLaunch (do meu colega @buildmicrosaas)
  • SaaS Pegasus (uma versão em Django que uma vez quase comprei)

O Marc Lou ganha dezenas de milhares de dólares mensalmente apenas com este produto (última vez que vi, estava na casa dos 80k), ele inclusive compartilha no canal do Youtube as evoluções mensais nos produtos que vende (mais de 20).

Em resumo

Há diversas formas de ganhar dinheiro com software que não exigem o caminho que ficou na nossa cabeça nos últimos anos. Há alternativas para todo tipo de pessoa, de prioridades profissionais e de habilidades técnicas.

Basta escolher a melhor para você e mãos na massa!

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