Sete anos de altos e baixos: por que ele saiu do Google e criou o próprio negócio?

Você sairia de uma big tech para empreender? Faria isso pensando no potencial financeiro ou em outro aspecto? Trabalhar como desenvolvedor numa grande empresa ou empreender e criar o próprio negócio são dois trabalhos bem diferentes, mesmo que ambos envolvam programação. Apesar disso, o Michael Lynch fez essa escolha. Ele compartilhou no seu blog como foi e como está sendo o processo, que se iniciou sete anos atrás.

O Michael Lynch é desenvolvedor, formado em Ciência da Computação em 2007. Desde então, trabalhou como engenheiro de software na Microsoft e no Google, e como engenheiro de segurança na NCC Group. Essa história é sobre porquê ele decidiu sair do Google e começar a empreender.

A experiência de trabalhar no Google

Os primeiros dois anos no Google foram ótimos, e ele tinha certeza que continuaria na empresa pelos próximos cinco anos.

Claro que eu ainda estaria no Google em cinco anos. Eu estava cercado pelos melhores engenheiros do mundo, usando as ferramentas de desenvolvimento mais avançadas do mundo e comendo a comida mais gratuita do mundo.

Comida grátis no Google

Além disso, seu desempenho era avaliado como "Strongly Exceeds Expectations". Seu gerente garantiu que a promoção para Senior Software Engineer estava próxima. O gerente achava que ele já era capaz de trabalhar em nível sênior, só precisava do projeto certo para provar isso ao comitê de promoção.

O processo de promoção

O Michael Lynch trabalhou na manutenção de um pipeline de dados legado no Google, que estava em modo de manutenção há anos, mas a carga havia aumentado, e o pipeline estava cedendo sob a pressão, morrendo silenciosamente com frequência ou produzindo saídas incorretas. As falhas levavam dias para serem diagnosticadas porque ninguém havia escrito documentação para ele desde sua especificação original.

Nesse projeto, o Michael corrigiu dezenas de bugs, escreveu testes automatizados, removeu código desnecessário e documentou o sistema para facilitar o trabalho futuro da equipe. Apesar disso, seu trabalho não foi considerado digno de promoção porque não havia métricas para comprovar seu impacto.

Os poucos indicadores disponíveis faziam parecer que a situação piorou, pois a descoberta de bugs aumentou a contagem total de erros, e as falhas cresceram porque ele implementou um mecanismo de "fail fast" (falhar rápido) para evitar a propagação de dados ruins que estava acontecendo antes. Além disso, ele frequentemente interrompia seu trabalho nesse pipeline para ajudar colegas a finalizarem os projetos deles, o que era importante para a equipe, mas que foi interpretado como um sinal de que seu próprio trabalho não era relevante pelo comitê de promoção.

No final, o comitê concluiu que ele não havia demonstrado lidar com alta complexidade técnica nem provado um impacto claro na empresa, resultando na rejeição de sua promoção.

Os problemas do processo de promoção

Após a rejeição, o Michael percebeu que seu trabalho, apesar de valioso, não estava alinhado com os critérios de promoção da empresa. Ele decidiu mudar sua abordagem, registrando métricas antes de resolver o problema para mostrar seu impacto, e focando em projetos que parecessem impressionantes para o comitê de promoção.

Inicialmente, essa estratégia parecia funcionar: ele foi designado a um projeto de aprendizado de máquina (machine learning) com impacto claro e liderança de equipe, aumentando suas chances de promoção. Porém, uma mudança de prioridades fez com que o projeto fosse transferido para outra equipe, tornando seu trabalho até então irrelevante para sua promoção, porque não foi concluído. Esse padrão se repetiu várias vezes, com o Michael sendo movido entre projetos sem conseguir terminar algum deles.

Depois de um tempo, ele notou que sua relação com o Google era puramente transacional: estava otimizando seu trabalho para atender às métricas da empresa, não para fazer algo significativo. O ciclo de realocação constante e a falta de controle sobre seu próprio crescimento fizeram ele refletir sobre essa corrida por promoções. Afinal, se cada promoção exigia projetos maiores e mais instáveis, ele estaria sujeito a cada vez mais fatores externos que poderiam desperdiçar meses ou anos de sua carreira.

Uma alternativa ao Google?

O Michael descobriu a comunidade Indie Hackers, com fundadores de pequenas empresas de software.

Eu sempre tive interesse em começar minha própria empresa de software, mas eu só conhecia o caminho de startup do Vale do Silício. Eu achava que ser um fundador de software significava passar a maior parte do meu tempo arrecadando fundos e o resto me preocupando em como atrair meu próximo milhão de usuários. (...) Havia desvantagens, é claro. A renda deles era menos estável, e eles enfrentavam mais riscos catastróficos. Se eu cometesse um erro no Google que custasse US$ 10 milhões à empresa, eu não sofreria consequências. Eu seria solicitado a escrever um post-mortem, e todos celebrariam a oportunidade de aprendizado. Para a maioria desses fundadores, um erro de US$ 10 milhões significaria o fim de seus negócios e várias vidas de dívidas.

Antes de sair do Google, ele quis tentar mais uma vez a promoção pela qual havia trabalhado por três anos. No entanto, semanas antes da avaliação, sua equipe foi dissolvida e seus projetos transferidos para outra unidade.

Ainda assim, ele decidiu tentar a promoção, visto que seus últimos seis meses de trabalho foram otimizados para isso. Ele recebeu a melhor avaliação possível ("Superb"), dada a cerca de 5% dos funcionários em cada ciclo, além de ser reconhecido por seu trabalho de nível sênior, mas o comitê concluiu que seis meses de alto desempenho não eram suficientes. Disseram que bastava manter o ritmo por mais seis meses para ser promovido, algo que ele já ouvia há dois anos.

Sem uma ideia brilhante de startup, ele decidiu sair do Google e explorar diferentes projetos.

Os próximos seis anos fora do Google

Os primeiros dois anos (2018-19) como fundador "bootstrapped" (sem receber investimentos) foram ruins. Ele mal conseguiu encontrar clientes pagantes, e todos os negócios perderam dinheiro.

No meio de 2020, fez um protótipo chamado "TinyPilot" que controlava seus servidores domésticos através do navegador, sem instalar nenhum software. Ele escreveu sobre o TinyPilot no seu blog e divulgou, pegando o primeiro lugar no Hacker News e um bom alcance em alguns subreddits.

A demanda foi alta, diferente dos outros projetos. Pelos próximos quatro anos (2020-24), focou 100% no TinyPilot. A empresa chegou a uma equipe de sete pessoas, com US$ 1 milhão de receita anual.

Caixa TinyPilot

Acesso pelo navegador

Nesse ponto, a empresa foi vendida, e ele escreveu sobre isso nesse artigo.

  • Preço de venda: US$ 598.000 (2,4x ganhos anuais)
  • Comissão do corretor: US$ 88.900
  • Honorários advocatícios: US$ 18.297
  • Lucro com a venda: US$ 490.803
  • Condições de pagamento: Pagamento integral em dinheiro no fechamento (sem earnout, sem financiamento do vendedor)
  • Obrigações do vendedor:
    • 30 dias de consultoria gratuita (máximo de 40 horas/semana, 80 horas no total)
    • 45 dias de consultoria paga (máximo de 10 horas/semana a US$ 180/h)
  • Lucro vitalício do negócio (incluindo venda final): US$ 920 mil em quatro anos

Um dos motivos para ele decidir vender a empresa foi porque sentia falta de escrever código. A TinyPilot era um negócio de hardware, então havia muitas peças móveis além do software. Ele era o único gerente de seis pessoas em três equipes distintas e gerenciava relacionamentos com os principais fornecedores.

Outro motivo é que queria começar uma família com a esposa, e apesar da TinyPilot ocupar apenas 40% das horas em que ele estava acordado, era responsável por 90% do estresse.

Se você quer saber mais sobre o TinyPilot e o processo de desenvolvimento da empresa, pode ler essa lista de artigos que ele publicou entre 2020 e 2024.

No processo de venda, a parte mais custosa foi a "due diligence", que levou três meses. Nessa etapa é necessário criar vários documentos, organizar processos, verificar as finanças da empresa etc. Em resumo, o comprador está confirmando se está tudo certo para poder seguir com a compra. O comprador ainda pode desistir da compra e o vendedor "sair no prejuízo", porque precisou fazer a due diligence ao mesmo tempo que continuava trabalhando no negócio.

O processo de venda durou 6 meses. Em outubro de 2023 o Michael assinou uma carta de compromisso com a corretora, em janeiro de 2024 recebeu as primeiras propostas de compra, e em abril de 2024 recebeu o pagamento do comprador.

Agora, no curto prazo, Michael planejava procurar projetos simples dos quais poderia se afastar quando seu bebê nascesse.

Além disso, gostaria de encontrar uma maneira de construir um ciclo virtuoso entre meu blog e meu negócio. Eu adoraria escrever sobre o que me interessa, então atrair clientes para meu produto por meio da minha escrita e financiar minha escrita com o negócio.

Em novembro, o Michael escreveu outro artigo em seu blog falando sobre lições aprendidas ao vender sua empresa.

Em fevereiro de 2025, escreveu o retrospecto de 2024, que pode ser resumido à venda do TinyPilot e ao nascimento do bebê, além de experimentar algumas coisas que não conhecia, como NixOS, Zig e HTMX. Ele também listou os seus planos para 2025: US$ 50 mil de lucro vendendo algum produto dele; publicar um curso ou livro; e aprender uma nova linguagem de programação.

A algema de ouro

Uma parte marcante da história acima é como grandes empresas, como o Google, conseguem criar "algemas de ouro". Se você nunca ouviu esse termo, pense assim: financeiramente falando, valeu a pena para o Michael sair do Google? Os primeiros dois anos foram de prejuízo, e nos últimos quatro ele lucrou US$ 920 mil, que dá uma média de US$ 153 mil por ano após ter saído do Google. É bem provável que ele teria ganhado mais trabalhando no Google. Por isso, "algema de ouro": a empresa te paga tão bem que você não quer sair de lá.

Mas, essa é uma decisão pessoal. Nem sempre se resume ao dinheiro, principalmente se você estiver numa posição em que pode arriscar coisas diferentes por tempo o suficiente sem se comprometer financeiramente.

E o Michael não saiu do Google pensando que ganharia mais no próprio negócio. As críticas dele ao Google me lembraram as do Shreyans Bhansali, que vendeu a startup Socratic ao Google em 2018 e escreveu alguns aprendizados desse processo, que eu comentei em Socratic: 10 aprendizados ao ser adquirido pelo Google.