Em pleno 2024, vale a pena levantar dinheiro com Venture Capital?

Será que dá para construir uma startup de alto crescimento sem o dinheiro do VC?

Quando eu decidi criar o Tintim, eu já sabia da possibilidade de levantar dinheiro de Venture Capital. Mas sempre tive medo. E se eu perdesse minha autonomia?

Na edição de hoje da Newsletter do Moa, eu resolvi contar o que penso sobre fundos de venture capital. Decidi, também, contar porque decidi aceitar investimentos no Tintim.

A minha experiência com o mercado corporativo

Minha primeira experiência de trabalho foi em uma empresa que era praticamente uma repartição pública. A próxima experiência foi o completo oposto. A empresa vendia soluções de segurança para grandes empresas. Um ambiente bem corporativo.

Essa segunda experiência foi traumática. O projeto em que eu atuava tinha um deadline maluco e completamente artificial. Muitos da equipe (eu, inclusive) não tinham experiência e know-how necessários para entregar o projeto naquele prazo. Por conta disso, o projeto esteve sempre atrasado, desde o seu nascimento.

Com um projeto atrasado, vem junto uma diretoria fungando no seu cangote. O esultado? Jornadas de trabalho de 10h/dia, durante 6 dias na semana. Fora a pressão psicológica. Essa experiência foi tão traumática pra mim, na época, que eu acabei pedindo as contas, mesmo sem ter nada em vista.

Fiquei anos "de mal" com a programação. Programar era uma das coisas que eu mais amava fazer. Mas, eu estava completamente desiludido com a indústria de desenvolvimento de software. Durante anos eu tentei alternativas para sair desse mercado. Fazia freela só para pagar as contas.

Entre idas e vindas, acabei, aos poucos, fazendo as pazes com esse trauma e retomando a ideia de seguir atuando desenvolvendo software. Na mesma época em que decidi abrir minha fábrica de software, a Codevance, eu também conheci o Henrique Bastos e a turma do Welcome to the Django. Foi essa galera que me fez enxergar uma luz no fim do túnel. "Parece que é possível desenvolver software em um ambiente de trabalho saudável" - foi o que eu pensei quando conheci essa turma.

Durante anos, eu batalhei muito para conseguir fazer da Codevance uma empresa sustentável. Me incomodava profundamente depender somente de indicações e não ter o controle do processo comercial. Sorte que, por eu sempre ter trabalhado muito bem, de tempos em tempos aparecia um peixe grande que nos trazia tranquilidade financeira.

Acontece que, no mesmo momento em que um cliente desses chegava, chegava junto uma preocupação: e quando esse cliente for embora? Certa vez, ouvi o Pedro Sobral comentando em algum podcast que a época em que ele mais ganhava dinheiro prestando serviço era a época, também, em que ele mais tinha medo de perder tudo.

Eu entendo perfeitamente o que ele disse. Senti isso na pele durante anos. Essa alta concentração de renda em um, no máximo dois clientes, te deixa numa posição completamente desfavorável. Depender de somente um cliente para pagar as suas contas e as contas da sua empresa te faz perder autonomia. E, se esse cliente souber disso, então…

Eu sempre soube que, se eu decidisse vender para grandes empresas, eu ganharia muito dinheiro. No enterprise é onde está o big money. Se eu fechasse contrato com um Bradesco da vida, eu encheria o bolso de dinheiro, sem dúvida. Acontece que, além de vender desenvolvimento de software, eu estaria, também, vendendo minha alma.

Conheço várias e várias histórias de vidas arruinadas por casos como esse. Casamentos fracassados, saúde completamente deteriorada, risco de infarto, depressão, risco de suicídio… a lista é grande. Já vi centenas de casos de pessoas que trabalham para big companies e estão de bolso cheio, mas de alma vazia.

Por conta do meu trauma e também por conhecer diversas histórias como essas, eu decidi que não venderia para esse tipo de cliente. Até então, eu já tinha experiência suficiente para saber que um dos valores que mais prezo é a autonomia.

Anos mais tarde, decidi criar o Tintim. Por se tratar de uma empresa de tecnologia, mais especificamente SaaS, é natural que uma das primeiras dúvidas que surgem entre os sócios seja: "e aí, vamos tentar levantar dinheiro de Venture Capital?"

Acontece que toda essa experiência negativa e traumática com o mercado de tecnologia sempre me fez ter um (ou dez) pé(s) atrás com a indústria dos VCs. Eu já trabalhei, também, dentro de uma startup, e sei o quão saudável (ou não) esse ambiente pode ser.

Apesar de conhecer pessoalmente algumas histórias de sucesso e acompanhar assiduamente o mercado de startups, eu sempre olhei a relação entre um founder e um VC como uma relação completamente desbalanceada, em termos de poder.

O jogo do Venture Capital é um jogo de big wins. A cada 10 empresas investidas, uma, no máximo duas, vão trazer grandes resultados. As outras empresas vão ficar pelo meio do caminho. Se eu, como founder, não for a empresa vencedora, eu serei parte do time das empresas perdedoras.

Para o VC, isso faz parte do jogo. Ele já conta com o fato de que grande parte das apostas falharão. Para ele, não importa, pois os seus big wins retornarão o suficiente para pagar as perdas e ainda trazer o retorno de capital desejado.

Agora, para mim, como founder, são 10 anos de trabalho "jogados no lixo". Não somente 10 anos, mas, possivelmente, os 10 anos com maior potencial da minha carreira. Enquanto o VC está apostando uma pequena parte do seu capital em mim, eu estou apostando praticamente a minha vida profissional inteira nessa jornada.

Sem contar que a natureza dos ofícios são praticamente opostas. Eu sou um empreendedor self made. O meu ofício é resolver problemas e gerar valor da forma mais eficaz possível. Eu conheço muito pouco (e também tenho pouco interesse) em conhecer sobre burocracia jurídica. O resultado dessa ignorância pode ser um contrato que seja muito mais pró investidor do que pró empreendedor. Normal, afinal, são eles quem detêm o conhecimento e o aparato jurídico.

Por fim, meu maior medo em me relacionar com o VC é a perda de autonomia. Por mais que se conte que, nas relações ideais, o empreendedor possui total apoio e confiança do VC, a gente sabe que, nem sempre, o mundo opera sob condições ideais. Um dos motivos pelos quais resolvi empreender foi, justamente, manter minha capacidade de escolha. Seria péssimo acabar em uma situação em que eu tivesse que pedir bênção para tomar decisões.

Entretanto, eu tenho plena consciência de que a grande maioria dos meus pontos de vista sobre esse assunto vem de preconceitos. Preconceitos no sentido literal da palavra, mesmo. São opiniões e sentimentos concebidos sem um exame crítico mais aprofundado.

Hoje, eu não sei jogar o jogo do Venture Capital. Isso não significa que eu descarte a hipótese. Significa somente que, enquanto eu não tiver conhecimento suficiente sobre o assunto, eu prefiro seguir por uma via alternativa.

Existe uma terceira via?

Um dos podcasts que mais gosto de ouvir é o Podcast Startups'n'downs. Inclusive, já recomendei alguns episódios aqui em edições anteriores.

Eu conheci esse podcast ouvindo outro podcast que também gosto muito, o Excepcionais, do Marcelo Toledo. No episódio #135, o Marcelo entrevistou o Ricardo Corrêa, fundador da Ramper. Gostei muito do papo. Me identifiquei muito com o Ricardo. Pareceu ser um cara família, disciplinado, hustler, do esporte… valores muito similares aos meus.

Gostei mais ainda de saber que ele também produzia um podcast, compartilhando suas experiências como empreendedor e ajudando outros empreendedores startupeiros em suas jornadas.

Em poucos meses, eu maratonei os 100 episódios. Que baita conteúdo! Empreender é uma jornada muito solitária. Você precisa ser meio tan-tan da cabeça para entrar numa loucura dessas. Por isso, existem poucos de nós no mundo. Poder ouvir alguém que já passou por uma jornada parecida com a sua é gratificante.

Além disso, não é só o Ricardo que compartilha suas experiências. O César, seu co-host, também tem um ponto de vista único e super relevante. Ele já empreendeu, já fez uma saída, e hoje em dia é investidor. São know-hows complementares. Enfim… recomendo muito que você ouça.

O tema deste texto foi inspirado em um episódio que ouvi essa semana. O título é "Venture Capital ou Bootstrap? Existe uma terceira via". Nesse episódio, eles comentam sobre uma possível terceira via, que saia das, até então, duas únicas opções para uma empresa de tecnologia: o bootstrapping ou o VC-backed.

Caso você não saiba, uma empresa é bootstrapping quando ela começa e cresce usando finanças pessoais dos sócios ou receitas operacionais da empresa. Já a empresa VC-backed é aquela que inicia e cresce levantando fundos por meio de múltiplas rodadas de investimento de capitalistas de risco.

Ambos cenários possuem vantagens e desvantagens. A vantagem mais óbvia do caminho bootstrap é que, aqui, você mantém total autonomia sobre o negócio. A desvantagem, obviamente, é a restrição financeira. Já no caminho VC, na teoria, você não tem esse problema. Muito pelo contrário. Você tem acesso a uma série de recursos, como capital, networking e know-how para crescer muito mais rápido do que cresceria no bootstrap. O preço? Um pedaço do seu negócio e uma relativa perda de autonomia (sem contar a pressão de precisar crescer MUITO rápido).

Nesse episódio, o Ricardo e o César defendem que existe uma terceira via a esses dois caminhos. A ideia seria combinar elementos de bootstrap e capital de risco para criar uma abordagem mais equilibrada.

O principal ponto aqui é, sim, fazer uma ou duas rodadas de investimento, mas, trazendo investidores que saibam que essa rodada não compromete a startup a, necessariamente, fazer futuras rodadas.

No episódio, eles usam uma analogia muito boa: a do posto de gasolina. O jogo da startup que opta pelo caminho VC-backed é parecido com uma viagem de carro. Só que, aqui, o seu objetivo é abastecer o carro com combustível suficiente para chegar ao próximo posto de gasolina. Nesse caso, se a gasolina acabar antes, você fica no meio do caminho. Já na terceira via, você abastece com o necessário para chegar até o destino. Se quiser parar em outro posto para abastecer, pode, mas não é obrigatório.

Esse caminho mitiga o risco e a pressão da rota do VC, e também mantém uma maior autonomia de decisão para os fundadores. Além disso, permite que o empreendedor opere com mais caixa e, consequentemente, com mais margem de manobra, podendo acelerar seu crescimento.

Claro, não estamos falando de um crescimento acelerado como se fosse na rota do VC. Mas, ainda assim, estamos falando de um crescimento que seja suficiente para remunerar o capital dos investidores e o tempo do empreendedor.

Como eu decidi fazer no Tintim?

A escola que me formou como empreendedor foi a escola do marketing digital. Por mais que eu me considere um empreendedor há mais de 10 anos, acredito que a minha graduação na área veio quando eu me tornei sócio da DevPro e assumi a área de marketing da empresa.

Na época em que entrei nesse mercado, praticamente não existia funding externo. A única forma de encontrar financiamento para crescer era através do dinheiro do próprio cliente. Estamos falando da famosa estratégia "montinho montão", do Érico Rocha, o papa desse mercado.

O mercado de infoprodutores masterizou essa estratégia de fazer funding com o dinheiro do próprio cliente. Vi, de perto, impérios nascerem com pouco ou nenhum investimento externo. Casos como Vita Science, Fluency Academy, Mairo Vergara, Leandro Ladeira e até o próprio Érico Rocha.

Nós, na DevPro, também somos um case de sucesso dessa modalidade. Começando com um investimento de apenas 5k de reais em 2019, alcançamos a façanha de faturar mais de 3M de reais em cerca de 3 anos de sociedade

Devido a essa experiência, quando fundei o Tintim, eu já sabia vender online. Em tese, o problema do dinheiro estava "resolvido". Ainda assim, sempre tive interesse em ter sócios. Tanto que eu comecei a empresa já considerando que eu teria apenas 51% do negócio. Os outros 49% estavam reservados para funcionários e outros sócios.

Mas, não era para qualquer tipo de sócio. O meu interesse sempre foi em trazer sócios estratégicos. Desde o começo da empresa, eu tinha plena consciência de que não sabia tudo e de que não tinha todos os ativos necessários na mão.

Assim, o Tintim, hoje, possui, além de alguns membros da equipe, dois sócios estratégicos de peso. O primeiro deles a entrar foi o Luiz Mazini. Ele é mentor de agências de marketing, que é justamente o nosso público-alvo. Além disso, ele é um dinossauro do mercado, com mais de 10 anos de experiência nessa área. Junto com toda essa experiência vem o know-how e o networking.

Depois do Mazini, veio o Diego Carmona, outro grande player do mercado. Ele percorreu a jornada completa de construção e venda de uma empresa de tecnologia. Ele foi CEO da Leadlovers, que foi vendida para a Nuvini. Outro grande profissional com um know-how e networking absurdo na área.

Não acho que seremos o próximo unicórnio. Nem tenho essa pretensão. Mas, sei que seremos grandes o suficiente para conquistar um resultado financeiro que remunere muito bem a todos nós, sócios e investidores.

Sei disso porque estamos atuando num mercado enorme, e que está em franco crescimento. Eu e meu time sabemos operar nesse mercado. Temos know-how, qualidade e capacidade de brigar de igual pra igual com outros players e conquistar uma fatia de mercado suficiente.

É apenas questão de tempo.


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