Não só os devs. Meu pai trabalhava em uma fábrica, cuidando de máquinas; hoje é aposentado e praticamente só repete a rotina da casa. Minha mãe é professora, trabalho que pode ser comparado a "enxugar gelo", pois sempre haverá o próximo ano e a próxima sala de aula para começar tudo de novo. Muitos dos meus amigos trabalharam ou trabalham em call centers, correndo atrás de metas ou no suporte para lidar com aquelas questões do dia a dia de produtos que não funcionam direito.

Mesmo o empreendedor, o avatar do nosso tempo, sempre terá a próxima oportunidade, a próxima coisa, ou, como eles gostam de falar, "o próximo nível".

Ter lucro produz sentido? Ter uma grande base de usuários produz sentido? Ser útil produz sentido? Impactar a vida das pessoas produz sentido? Mesmo se o software tivesse um ponto final, isso produziria sentido? Se sim, qual é a coisa comum a todas essas que produz sentido?

Albert Camus coloca que a única questão realmente séria da filosofia é a questão do suicídio, mas que, apesar de toda essa falta de sentido, devemos considerar Sísifo feliz.

Essa frase me confundiu por muito tempo, inclusive porque esse texto chegou pra mim num momento que eu não estava bem da cabeça, la por volta de 2015. Mas hoje eu tenho uma hipótese!

É precisamente no absurdo, na repetição, na interação com esse universo indiferente que se encontra o necessário para a criação de sentido. Ao levar a pedra para o topo, Sísifo já tem o necessário para criar sentido para si! ele mesmo, a própria consicência. O subir com a pedra é a parte menos importante, pois até o relacionamento perfeito ou o emprego dos sonhos só tem o sentido que você dá. Nenhum video de estoicismo tosco vai te ensinar a ter uma vida foda.

Nós temos esse superpoder de criar sentido em literalmente qualquer coisa, em preparar um bolo, trabalhar, praticar um esporte, cuidar da casa, ler poesia, estudar a tecnologia hypada da moda que daqui a 1 ano será utilizada por uma fração ínfima do mercado, ouvir música, cuidar de plantas, andar com o seu cachorro etc... Penso que nós também criamos sentido retroativamente, exemplo: só após ter entregue a feature X, ter estudado o conceito Y realmente me fez sentido. Ou seja, é justamente ao ver a pedra rolando montanha abaixo que Sisifo cria o sentido de leva-la até o topo, sentido esse que é o suficiente para motiva-lo a subir mais uma vez.

Muito obrigado por me responder!

Fiquei muito em dúvida se postava ou não essa reflexão, envolvendo duas coisas que gosto e se unem, filosofia e desenvolvimento.

Mas só de ter uma resposta como a sua já valeu a pena 100%.

"Ou seja, é justamente ao ver a pedra rolando montanha abaixo que Sisifo cria o sentido de leva-la até o topo, sentido esse que é o suficiente para motiva-lo a subir mais uma vez."

Genial, a pedra pra alguns é ganhar dinheiro, relacao amorosa, desenvolver um software, lecionar ou concertar um carro.

No final das contas a verdadeira pedra são os amigos que fazemos pelo caminho hahahahahhah